Rafael Rodrigues
Sunday, June 25, 2006
 
Mauro Ventura


Alguns dos 5.400 livros já deixaram as estantes, mas de resto pouca coisa mudou no apartamento de Fernando Sabino na Rua Canning, em Ipanema. Ainda está lá o sofá da sala, onde costumava cochilar.



— Ele cismava que o sofá o expulsava para fora e me pediu para botar um calço — conta Pedro Sabino, filho do escritor.



Também estão lá o capacete da Scotland Yard que ele ganhou da corporação inglesa após uma crônica, o painel de fotos em preto-e-branco que montou com imagens de parentes e amigos, além da pequena bateria.



— Ele achou que era melhor comprar uma de criança porque assim ela caberia na casa — explica Pedro.



Permanecem os CDs e LPs de jazz, as duas secretárias eletrônicas com que afastava os indesejados, a foto em que aparece ao lado de Che Guevara, a plaquinha “Aqui vive um solteiro feliz”, os bonecos em miniatura dele e dos amigos, a cadeira de balanço austríaca que herdou do pai, o relógio de parede a que dava corda toda sexta-feira e os troféus — entre eles o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras.



Numa mesa, vê-se o computador onde escrevia os livros e, num canto, a velha máquina de escrever portátil.



— Ele reclamava de tudo que é jeito do computador e, de vez em quando, recorria à máquina de escrever. Dizia: “Tanto a mulher quanto o computador têm uma lógica que lhes é peculiar” — lembra Pedro, responsável por testamento pela obra do pai.



O pequeno bar conserva as garrafas de uísque. Ele era tão organizado que anotava num caderninho as doses que tomava, para ver quanto tempo durava uma garrafa. Bebia duas doses por dia e tinha que levar exatamente uma hora para tomar cada uma. Um mês por ano, ficava sem beber. Na agenda, desenhava um copo e fazia um risco no meio.



O apartamento de um quarto é simples, mas acolhedor, espartano, porém hospitaleiro. Os objetos serão divididos entre os sete herdeiros e o acervo — cartas, documentos, fotos — vai para a Casa de Rui Barbosa. Os livros são tantos que se espalham do escritório para o quarto, a cozinha e o banheiro.



Um ano e meio após a morte do escritor mineiro, as homenagens estão apenas começando. O aniversário de 50 anos de seu maior clássico, “O encontro marcado”, motiva uma longa lista de celebrações. A maior delas é a exposição que seu filho Bernardo organiza para outubro. Outra filha está escrevendo uma livro sobre o pai. Filmes, peças, ópera e show também estão na pauta de comemorações.



Pedro e a Editora Record estudam o lançamento de uma edição comemorativa do romance protagonizado por Eduardo Marciano. Nos meses que antecederam sua morte — em 11 de outubro de 2004, na véspera de completar 81 anos — Sabino trabalhava num livro que retomava seu personagem mais famoso. Ele não chegou a concluir o romance, intitulado “A resposta”. Escreveu cerca de três capítulos do que classificava de “autobiografia não autorizada por mim mesmo” ou “memórias póstumas antecipadas não autorizadas”. No livro, narrado por Marciano, personagem e autor contracenam. É como se agora Marciano falasse de Sabino — daí o nome, “A resposta” (leia trechos na página 2). A obra permanecerá inédita, porque em seu testamento o escritor proibiu lançamentos

post mortem

.



Logo após a morte do pai, Bernardo visitou a casa e descobriu, no alto do armário do quarto, dezenas de latas de filmes. Além de escritor, Sabino era cineasta e deixou um material inédito que vai ser recuperado pela Cinemateca Brasileira. Trabalhos como “Tapete persa”, documentário que ele fez no Irã para o governo federal, um programa sobre o México, uma conversa com Johnny Weissmuller, o Tarzan, e até uma entrevista com Alfred Hitchcock feita em Super-8.

 
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